Na manhã desta quinta-feira, 18 de setembro de 2025, a Polícia Federal deflagrou a Operação Traidores Originários, uma ação estratégica que representa um marco no combate à criminalidade ambiental na Amazônia. A operação teve como objetivo desarticular uma sofisticada associação criminosa dedicada à extração, transporte e comercialização de madeira retirada ilegalmente da Terra Indígena Roosevelt, um território sagrado localizado entre os estados de Rondônia e Mato Grosso.
A ação policial, conduzida pela Delegacia de Polícia Federal em Vilhena, cumpriu cinco mandados de busca e apreensão nos municípios de Espigão d’Oeste, Ministro Andreazza e Novo Horizonte do Oeste, todos em Rondônia. Segundo informações oficiais da Polícia Federal [1], as investigações tiveram início em novembro de 2023, quando um motorista foi preso em flagrante transportando toras de madeira nativa sem o Documento de Origem Florestal, um requisito legal indispensável para o transporte de produtos florestais. Este episódio aparentemente isolado revelou-se apenas a ponta de um iceberg criminoso de proporções alarmantes.
O aprofundamento das investigações desvendou uma estrutura criminosa organizada que envolvia empresários do ramo madeireiro e lideranças locais que, mediante pagamentos ilícitos, facilitavam a exploração ilegal dentro da área protegida. A operação teve como finalidade apreender documentos, mídias eletrônicas, registros financeiros e comunicações que comprovassem o funcionamento de toda a cadeia criminosa, desde a extração até a destinação final da madeira, além de identificar crimes conexos como associação criminosa e lavagem de dinheiro. Como resultado imediato da ação, um homem foi preso em flagrante nas adjacências da Terra Indígena Roosevelt enquanto transportava madeira sem comprovação de origem lícita e utilizava um rádio clandestino, equipamento comumente empregado por madeireiros para escapar das fiscalizações dos órgãos ambientais.
A Terra Indígena Roosevelt, homologada pelo Decreto 262 em 30 de outubro de 1991, constitui um território de vasta importância ecológica e cultural. Com uma área de 231 mil hectares, abriga uma população de 1.817 indígenas dos povos Apurinã e Cinta Larga [2], distribuídos entre os municípios de Espigão d’Oeste e Pimenta Bueno, em Rondônia, e Rondonópolis, em Mato Grosso. No entanto, sua riqueza natural transformou-a em um alvo histórico para atividades ilegais que remontam ao final da década de 1990, quando foi descoberta uma das maiores jazidas de diamantes do mundo na região, desencadeando uma corrida desenfreada de garimpeiros e intensos conflitos que marcaram o início dos anos 2000.
Além da pressão do garimpo ilegal, a exploração madeireira representa uma ameaça constante e crescente ao território. Dados de monitoramento por satélite indicam que o desmatamento na Terra Indígena Roosevelt mais que dobrou nas últimas duas décadas, saltando de 2.640 hectares em 2000 para 5.723 hectares em 2024 [2], um incremento de 3.083 hectares que evidencia a intensificação das atividades predatórias. Esses números alarmantes corroboram a necessidade urgente de operações contínuas como a Traidores Originários para a proteção efetiva do território e de seus habitantes tradicionais.
A situação da Terra Indígena Roosevelt reflete um problema sistêmico que assola toda a Amazônia Legal. De acordo com um relatório recente do Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), desenvolvido por uma rede de organizações de pesquisa ambiental que inclui o ICV, Idesam, Imaflora e Imazon, a área de extração ilegal de madeira na região cresceu 19% entre agosto de 2022 e julho de 2023, atingindo 126 mil hectares [3]. Esse total equivale à retirada de madeira em 350 campos de futebol por dia sem autorização dos órgãos ambientais, uma dimensão que ilustra a magnitude do problema enfrentado pelas autoridades.
O estudo revela um perfil preocupante para essa criminalidade ambiental. A maior parte da extração ilegal, cerca de 71%, acontece em imóveis rurais privados, o que significa que os principais protagonistas dessa prática criminosa estão identificados em cadastros públicos e são passíveis de responsabilização. Aproximadamente 650 imóveis estão envolvidos na extração ilegal, sendo que apenas 20 deles respondem por quase um terço dos ilícitos, demonstrando a concentração da atividade criminosa em grandes operadores. O segundo tipo de território mais afetado pela extração criminosa são as Terras Indígenas, que representam 16% dos casos, constituindo a categoria mais atingida entre as áreas protegidas.
O estado de Rondônia tem se destacado no mapa da ilegalidade madeireira, sendo palco de diversas operações recentes da Polícia Federal que evidenciam a persistência e a sofisticação das redes criminosas. A Operação Benevolentia, deflagrada em julho de 2025, cumpriu dois mandados de busca e apreensão nos municípios de Espigão do Oeste e Vilhena, também visando combater a extração ilegal de madeira em terras indígenas [4]. Anteriormente, em abril de 2025, a Operação Xapiri resultou na inutilização de maquinário utilizado para derrubar ilegalmente a floresta na Terra Indígena Igarapé Lage, causando prejuízos significativos aos criminosos ambientais.
A disseminação da ilegalidade madeireira representa uma ameaça multidimensional que transcende os aspectos puramente ambientais. Do ponto de vista econômico, a exploração predatória afeta negativamente a oferta legal de madeira, criando uma concorrência desleal que prejudica todo o setor madeireiro licenciado, tanto pelo achatamento dos preços quanto em termos reputacionais, dificultando o acesso a mercados internacionais que valorizam produtos sustentáveis. Socialmente, a atividade ilegal expõe trabalhadores a situações de risco extremo e ameaça diretamente povos e comunidades tradicionais, violando seus direitos territoriais e culturais. Ambientalmente, a extração ilegal leva à degradação florestal, aumentando os riscos de incêndios, promovendo a perda de biodiversidade e intensificando os conflitos fundiários.
A Operação Traidores Originários transcende o caráter de uma ação pontual, constituindo-se como um elemento fundamental na estratégia mais ampla de proteção da Amazônia. Ao focar não apenas na apreensão do produto ilegal, mas na desarticulação de toda a cadeia criminosa — desde a extração até os mecanismos de lavagem de dinheiro —, a Polícia Federal busca atacar a raiz estrutural do problema. A investigação que culminou na operação demonstra a complexidade das redes criminosas que atuam na região, muitas vezes com a conivência de atores locais que traem a confiança dos povos originários em troca de benefícios econômicos ilícitos.
A proteção de territórios como a Terra Indígena Roosevelt é fundamental não apenas para a preservação da biodiversidade e dos modos de vida ancestrais dos povos Apurinã e Cinta Larga, mas também para a sustentabilidade global do planeta. Essas áreas funcionam como verdadeiros santuários de carbono, contribuindo significativamente para a regulação climática mundial. A destruição desses territórios não apenas compromete a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, mas também acelera as mudanças climáticas e a perda irreversível de espécies.
A luta contra a criminalidade ambiental na Amazônia é contínua e exige a presença constante e efetiva do Estado brasileiro. A Operação Traidores Originários representa um passo importante nessa direção, mas a proteção duradoura da floresta e de seus guardiões tradicionais demanda um esforço coordenado que envolva não apenas ações repressivas, mas também políticas públicas de desenvolvimento sustentável, fortalecimento da fiscalização ambiental e valorização das comunidades que historicamente protegem esses territórios. Somente assim será possível garantir que a floresta e seus povos não sejam traídos em seu próprio lar, preservando para as futuras gerações um patrimônio natural e cultural inestimável.
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